A Gestão Esportiva no Brasil, com a evolução natural do esporte e da sociedade, sofreu um avanço considerável catalisada por sucessivas competições de grande envergadura, que começaram em 2007, com os Jogos Panamericanos; passou pelos Jogos Mundiais Militares, em 2011; pelo Mundial de Futebol da FIFA, em 2014; e culminou nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Se, no começo, poderia haver alguma insegurança ou até descrédito pela inexperiência na organização de eventos ou na preparação de equipes para encarar as competições acima, este pensamento agora é coisa do passado.
Com a gestão antidopagem não foi diferente. A Agência Mundial Antidopagem (AMA-WADA) foi criada em 1999. A Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD), por sua vez, foi criada somente 12 anos depois, no final de 2011 por Decreto Presidencial. Assim, pode-se afirmar que uma Política Nacional Antidopagem somente iniciou há pouco mais de 10 anos. É pouco tempo. Antes disso, ações conduzidas por algumas confederações e pelos Comitês Brasileiros (Olímpico e Paralímpico) aconteciam dentro da área de atuação de cada um, sem uma padronização de ações ou direcionamento.
Ao mesmo tempo, é fato que a gestão antidopagem, em termos oficiais, ou seja, desde que a ABCD foi criada, também evoluiu. As operações de controle se tornaram, ao mesmo tempo, mais amplas e objetivas; a Gestão de Resultados e o Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem se tornaram mais céleres e efetivos; a educação promovida pela ABCD avançou, atingindo mais atletas, técnicos, médicos, etc.; os Padrões Internacionais estão traduzidos para o Português, tornando a legislação mais acessível; da mesma forma, a Plataforma ADEL1 (Anti-Doping Education and Learning Platform) também está traduzida para o português, possibilitando um padrão mínimo de educação para todos os envolvidos e comprometidos com o esporte
Bem, estamos evoluindo na gestão do esporte no Brasil. Mas há algo que ainda não vai bem. Trata-se da educação antidopagem em todos os níveis de gestão do esporte nacional. Ora, supor que a ABCD conseguirá realizar a educação antidopagem de todos os atletas, técnicos, médicos, nutricionistas, preparadores físicos, fisioterapeutas, gestores e pais que labutam com o esporte olímpico, não-olímpico, escolar, universitário, profissional, amador, em todas as categorias, faixas etárias, modalidades e em todos os clubes, academias, campos, pistas, piscinas, praias, praças e parques é impensável, ou, no mínimo, ingênuo. É, de fato, impraticável.
É bem verdade que iniciativas como a dos Comitês Olímpicos e Paralímpicos e de algumas confederações que possuem pessoas destacadas para a educação antidopagem são louváveis e importantes. Mas é pouco ante o tamanho de nosso país, sua diversidade esportiva e sua população.
Convém lembrar que a educação antidopagem trata de conhecer a legislação, saber o que é dopagem em todos os onze itens previstos no Código Brasileiro Antidopagem (CBA), os perigos dos suplementos, o processo de coleta de amostras, os direitos e deveres dos atletas, a Autorização de Uso Terapêutico e seu processo, a Lista Proibida e seus detalhes, a seleção dos atletas, o sistema de localização (whereabouts) e seu preenchimento, os testes em competição e fora de competição, os malefícios para a saúde pelo uso de substâncias proibidas, das sanções possíveis, etc. É um conteúdo, digamos, bastante razoável de conhecimentos, muitos deles novos para os atletas e para aqueles que trabalham no esporte
Mas o conteúdo mencionado no parágrafo anterior trata somente do campo cognitivo da educação antidopagem que é, sem dúvida, muito importante. Mas há, também, o campo afetivo, mais importante ainda, que trata dos valores do esporte. É um conhecimento pouco tangível, de difícil mensuração e avaliação, por vezes de lenta assimilação, mas que direciona e molda a vida do atleta. Algo semelhante acontece na educação de pais para filhos. São ensinados valores. O que é certo e o que é errado. Ensinar “obrigado”, “me desculpe” e “com licença”. Isso não acontece em um dia, semana, mês ou ano. Uma década? Talvez!
Nesse sentido, além de todo o conteúdo cognitivo, a ABCD teria que abarcar também, o conteúdo afetivo. Como? Em encontros a cada ano? Bianuais? Com aulas e palestras pela internet? É por essa razão que o CBA é claro em seu artigo 7º, item VI, onde diz que é uma responsabilidade das entidades de Prática e Administração do Desporto “Implantar programas de prevenção à dopagem no esporte de acordo com seus meios e competências e em cooperação com a ABCD”. Para tornar o texto tão claro quanto possível: a prevenção à dopagem é a educação antidopagem. Entidades de prática e administração são, minimamente falando, os clubes, federações, confederações e comitês.
Bem, as regras dos diferentes esportes e modalidades são conhecidas, divulgadas e praticadas por toda a comunidade esportiva, devidamente orientada por seus gestores. Estes mesmos dirigentes se preocupam, via de regra, em organizar as planilhas de receita e despesas e fazer uma prestação de contas adequada com seus patrocinadores, o que é muito justo. Alguns, ainda, se aproximam, muito corretamente, da ciência, explorando a biomecânica e a fisiologia do exercício ao máximo em prol dos atletas e de suas performances. Planejam viagens, competições e training camps; contratam treinadores e outros profissionais; constroem centros de treinamento de última geração; enfim, se esforçam para melhorar suas instituições. Mas não cumprem uma regra esportiva sobre educação antidopagem prevista no CBA.
Deixando de lado por um breve momento a regra estabelecida pelo CBA mencionada anteriormente e levando em conta a Gestão de Risco, que é um aspecto que deve ser constantemente observado na Gestão, quer seja esportiva, ou não, imaginemos a equação do risco, composto da probabilidade de que um evento aconteça multiplicado pelo seu impacto. Assim, como lidar com o fato que um(a) atleta do meu clube, da minha federação, da minha confederação, que representa meu país, que é atualmente, por exemplo, campeão(ã) olímpico(a) ficará fora do próximo Campeonato Mundial, ou dos Jogos Olímpicos, por ter sido suspenso(a) por 4 anos por violar uma regra antidopagem? E se isso acontece com o campeão nacional? Que compõe um revezamento com reais chances de medalhas em um importante evento? E se isso acontece de novo? E de novo? Pode ser que alguns gestores pensem que “isso é um problema do atleta”, ou que “o atleta é o responsável pelos seus atos”, ou ainda que digam “que pena. Quem é o próximo do ranking?”. Qual foi a atitude tomada para minimizar este risco? Qual será a atitude tomada para evitar o mesmo problema novamente? A resposta, bastante óbvia é simples, educação antidopagem.
Infelizmente, uma parcela significativa dos nossos gestores não tem tomado a atitude devida frente ao risco e à necessidade. Basta ver os sites de confederações, federações e clubes. Na grande maioria não há um link sequer para os documentos da ABCD, incluso aí o CBA e a Lista de Substâncias e Métodos Proibidos; não ocorre uma ação educacional há anos, nem mesmo uma possibilidade de acesso para a ADEL, plataforma online, gratuita e agora em português. Não há nada sobre antidopagem! Para piorar, por vezes há algum link com a palavra “Doping”, com o código mundial de 2004. Alguém pode até pensar que, ao clicar, o atleta vai aprender a se dopar com o código antigo e ultrapassado.
Pode ser pior? Sempre pode! A UKAD (Autoridade Antidopagem do Reino Unido) divulgou recentemente uma pesquisa2 apontando que pais estão considerando retirar os filhos dos esportes por causa de casos da dopagem e dos riscos à saúde que esta traz. Essa pesquisa foi realizada no Reino Unido. No Brasil, por sua vez, algumas modalidades, infelizmente, têm apresentado uma reincidência quase tradicional de casos positivos para a dopagem. Certamente não é uma boa imagem nem para patrocinadores e nem para pais que pensam em colocar seus filhos em uma modalidade esportiva. Uma modalidade sem patrocinadores e sem uma base de formação não parece ter um futuro promissor.
É essa a gestão esportiva que se quer realizar no Brasil? Suponho que não. Há bons exemplos já citados anteriormente, basta copiá-los. Há orientação livre, fácil e gratuita por parte da ABCD, basta contactá-los. Há bons profissionais em nosso país, basta pedir ajuda. E não custa lembrar: esta responsabilidade é de todos. Começa no clube, passa pelas federações, confederações, vai até os comitês e termina na ABCD.
Prezados gestores, minimizem seu risco, preservem a saúde de seus atletas, divulguem os valores do esporte. Em outras palavras: Eduquem! O Esporte agradece.
Acessível em:
2 – https://www.ukad.org.uk/news/new-survey-shows-doping-causing-parents-consider-if-sport-safe-kids
Texto escrito por ANDRÉ SIQUEIRA
Diretor do INSTITUTO JOGO LIMPO