Estou em Santiago de Compostela, na Espanha. Melhor dizendo, na Galícia. Sim, a Galícia, terra dos galegos, que podem estar geograficamente na Espanha, mas falam uma língua mais próxima da nossa, o português, do que do espanhol.
Ainda agora o garçom em meu café da manhã me dizia: “pode me falar em português que eu entendo tudo”.
Ao longo do caminhada notei, em mais de uma ocasião, frases escritas em galego, dizendo: ”a Espanha pisa em nós”. ou, simplesmente, a exortacão: “Independência”.
Mas o que vem ao caso é que eu e minha mulher, Dawn Werneck, acabamos de completar “El Camino de Santiago”, também escrito “Camiño” ou “Caminho”. Foram 210,11 quilômetros, ao longo de dez dias, a partir de Barcelos, em Portugal, ao norte do Porto, e chegada diante da Catedral de Santiago de Compostela.
É lá que, supostamente, estão enterrados os ossos de Tiago, o apóstolo, que veio pregar nas terras ibéricas e, ao retornar à Judéia, foi executado. Seus seguidores teriam trazido de volta seus ossos e aí iniciou-se, a longo dos séculos, a peregrinação que é hoje um fenômeno mundial.
Ao longo de nossa caminhada, encontramos pessoas de nada menos do que 34 diferentes países e até alguns casos realmente fantásticos: gente que iniciara a caminhada em Biarritz, na França, e pretendia ir até Lisboa, um holandês que partira da França, iria ao Porto, em Portugal, e caminharia de volta à França, dois brasileiros que faziam a peregrinação de Lourdes, na França, a Fátima, em Portugal, na distância de quase mil quilômetros, e um italiano que partira de Roma, ia a Fátima e de lá continuaria até Israel. Sempre a pé.
Hoje a peregrinação a Santiago de Compostela é muito mais um fenômeno turístico do que religioso. Na própria Catedral de Santiago de Compostela, ao nos darem o Certificado de Conclusão (uma espécie de diploma), nos perguntam: “seu propósito foi religioso ou não religioso”? Respondemos “não religioso”. Curiosamente, a funcionária que nos vendeu o canudo onde deve-se colocar o diploma dentro era uma brasileira – de Manaus, ainda por cima.
Você pode fazer El Camino de Santiago a pé, de bicicleta ou a cavalo. Para mim, o autêntico El Camino deve ser feito a pé, por razões muito simples: a cavalo, quem faz força é o animal, não o ser humano que vai em cima, e bicicletas não existiam no tempo de São Tiago.
Além do mais, o caminho é árduo. Há trechos que são pedregosos e verdadeiras escaladas de montanha. Em um deles, subimos nada menos do que 400 metros (mais alto do que o Pão de Açúcar), e descemos 367. Quem vai de bicicleta – e elas precisam ser “mountain bikes” – em trechos assim tem que levá-las nos ombros.
A alternativa é pedalar ao longo das estradas, junto com ônibus, carros e caminhões. Mas, cá entre nós: qual é a graça?
Há ainda os que usam bicicletas elétricas – o que, para ser sincero, descamba um pouco para o terreno da galhofa.
A experiência de El Camino de Santiago, é única, sensacional, uma oportunidade de conviver com a natureza, conhecer a população local, conhecer seus limites. Sim, conhecer seus limites, pois há os que não completam a empreitada.
Mas esta é a maior lição de El Camino de Santiago. Não desistir nunca. Como disse Edmund Hillary, o primeiro homem a escalar o Everest, ao lhe perguntarem porque o fizera: “porqueestá lá”.
José Inácio Werneck é a autor do texto e está no CLUBE DO MOVIMENTO como JOSÉ INÁCIO WERNECK