Tornei-me avó aos 53
Tornei-me triatleta aos 55
Tornei-me outra todos os dias…
Nasci fazendo regime! Frase muito comum entre as mulheres que desde muito cedo tem um relacionamento difícil com o peso.
A tendência à obesidade tem em mim um fator genético e também subjetivo. Ou seja, ser gordinha desde criança fez calar em mim o desejo que sentia pelo movimento, principalmente pela dança. Meu sonho infantil era ser ‘chacrete’ ou bailarina clássica, oportunidade esta que minha mãe deu, mas que recusei por me sentir totalmente uma patinha feia num lago só de cisnes!
E assim, fui criando uma espécie de capa protetora corporal (feita de gordura é claro) que foi destacando cada vez mais meus dotes intelectuais em detrimento dos corporais.
Graduação, mestrado, doutorado, docência, pesquisa, publicações de livros e artigos científicos me davam a ilusão de que o corpo só serviria para sustentar lá no alto do olimpo a cabecinha privilegiada.
Porém, tudo isso pesou, literalmente! A obesidade – que chegou a atingir a morbidez – cobrou seu preço: pressão e colesterol nas alturas, pré diabetes, capacidade cardiorrespiratória pífia, cansaço constante e principalmente, uma tristeza de perceber que o que estava fazendo comigo era o que estava acabando comigo.
Mas o momento que seria transformador se deu quando soube que seria avó, aos 53 anos. Vale lembrar que tornar-se avó é avançar um degrau em nossa posição geracional, impondo não apenas uma nova função, mas também uma dura realidade: a de que a fila cronológica não pára. Além disso, convoca a mulher a revisitar, reinventar e redescobrir seu feminino.
Da euforia à inquietação foi um pulo, pois uma questão se impôs: que avó meu neto teria, em qual avó eu habitaria? A avó que queria ser não caberia na Rosa que eu era. Assim, sustentada num árduo e consistente trabalho interno de análise, iniciei um processo de redimensionamento alimentar a partir de um método com o qual obtive excelente resultado que perdura até hoje. A avó que nascia fez renascer a Rosa que sempre gostou de aventuras, desafios e movimento, mas que estava escondida por uma intelectualidade imperiosa! Redescobrir-me aí foi a senha para colocar em ato uma nova ousadia: tornar-me (tri?)atleta. Pretensão? Presunção? ESFORÇO (aethos), os gregos chamam.
Mas por que o Triathlon?
Poderia dizer que foi por acaso. Mas gosto de dizer que foi o caso! Imbuída em retomar as atividades físicas de modo mais sistemático conheci, por intermédio de meu TriGenro Dado, um monstrinho do “nadapedalaecorre”, o Alexandre Perdão, do Fera’s Team, um grande nome desse esporte no Paraná e que também desenvolve um trabalho de treinamento funcional. Foi amor à primeira vista! Três meses depois do início do trabalho já estava com planilha semanal e visando minha primeira prova no Super Sprint. E tudo isso aos 55 anos. Tarde demais? Ouso dizer que foi no tempo certo.
E lá se vai um ano e meio de Triathlon, a maior parte dos meses durante a pandemia.
Três vezes três, elevado à terceira potência!! No início tudo, mas tudo mesmo era difícil, me cansava rapidamente, ficava imprestável principalmente depois das aulas de natação.
Minha primeira corrida no parque Barigui (Curitiba/PR) foi um marco histórico, 4,92k parando e andando mais do que correndo. E quando subi numa bike depois de mais de 15 anos sem pedalar e percorri infinitos 4,38k numa média de 15k/h foi a glória!!
O primeiro simulado de Triathlon na praia foi há uma semana da primeira prova! Hoje penso que realmente a gente tem que estar meio desregulada pra poder fazer essas coisas. Ainda bem que estava!
Aprendi muito e continuo aprendendo demais nesse caminho que escolhi trilhar. E uma das lições mais valiosas é de que o corpo é a nossa sala de aula particular se soubermos escutar o que ele nos ensina. Passamos anos sem querer ouvir o que ele tem a nos dizer e às vezes o único modo de fazer ruído é adoecendo, criando sintomas. Mais do que uma vitrine narcísica, nossa carcaça corporal é o lugar de onde também pulsa nosso movimento pela vida. E é disso que devemos cuidar. Sim, o corpo envelhece, mas o desejo não! A beleza pode estar na estética das curvas bem delineadas dos músculos, mas está muito mais na ética de uma posição de cuidado (‘cura sui’ como diziam os gregos) consigo mesmo. A psicanálise me ensinou que é fundamental compreender a relação que todo sujeito tem com seu corpo e que o sujeito não é seu corpo, mas tem um, e, só tem um!! Ter um corpo é poder fazer alguma coisa COM ele.
Moral da história: não queira se achar; apenas se reinventar, em cada tempo e em cada prova da vida!
Enfim, digo tudo isso porque gosto de revisitar o passado pra entender com mais clareza de onde parti e que caminho percorri. Lembro sempre do poema de Antônio Machado: ‘caminhante, não há caminhos, faz-se caminhos ao andar.’
Andei, nadei, pedalei, corri e acho que evolui dentro daquilo que é possível, mas também me transformei num sentido em que achava que era simplesmente impossível pra mim.
O que evoluiu? O corpo, o ‘core’, o ânimo, a força, a agilidade, a capacidade respiratória, a disciplina, o humor, a paciência, a tolerância à frustração, a coordenação (gente, o que são esses exercícios de técnica na piscina ou as coreografias da funcional?) Pra quem ainda não sabe o que é direita e esquerda, esse passo foi gigantesco.
Mas, e o que se transformou? A vida, só a vida!!
Fundamental destacar que esse percurso não está sendo feito sozinha. Ao meu lado tenho a parceria de uma Nutricionista, a querida Gi Leiner e principalmente do ‘meu’ Coach Perdão que me tirou do fundo de um poço e me jogou no mar da vida, e se fez isso é porque sabia que eu iria nadar…
Ele, mais do que ninguém, tem acompanhado minhas evoluções, minhas dificuldades e minhas transformações. Isso não se dá sem dor e sofrimento, mas também com alegria, prazer, foco e com a certeza de que escolhi o caminho que escolheu seguir em mim!
Resumo então em alguns pontos essas mudanças:
- Não nos transformamos sozinhos: procure um analista, um coach esportivo, um xamã; alguém que você queira e que tope te acompanhar nessa jornada rumo a se (des)virar gente. Só assim podemos ser outro sendo si mesmo
- Aprenda que, aquilo que te falta é o que te move e não o que te paralisa
- O que conquistamos é também resultado do que fomos capazes de renunciar. É isso, é osso
- Caminhe sempre, seja lá pra onde teu desejo te indicar. Você só sabe pra onde foi depois de ter caminhado
- Querer o que se faz é um poderoso rejuvenescedor pra qualquer aspecto da vida. Recomendo vivamente…
Assim, a metamorfose produzida em mim vai de uma carcaça desgastada para um corpo pulsante e de uma vidinha confortável de conquistas intelectuais garantidas para uma aventura de desafios inimagináveis em que até um tombo é vivido intensamente!
Isso se chama CORAGEM, LIBERDADE E AMOR = um Triathlon de sentimentos que todos deveriam ao menos uma vez na vida realizar!!
E nesse percurso aprendo diariamente que não ceder de seu desejo requer coragem, rigor, disciplina, perseverança e memória! Ou seja, em cada dificuldade, em cada gota de suor ou lágrima, em cada queda haverá que se lembrar daquilo que te faz caminhar, nadar pedalar, correr e viver!
Uma hora por dia tem treino, todas as horas do dia tem luta e todos os dias da vida tem amor, desejo e gratidão. E muita diversão!!
Aprendi que a vida não seca com a estiagem dos anos, ela apenas vai cumprindo seu ciclo, sua florada e seu tempo de muda, até que…
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Rosa é psicanalista, pesquisadora, “escrevinhadora”, aceleradora do Universo, triatleta “bem amadora” @trivopsi