foto por Carol Casals (@carolcasals)
O Poder Transformador da Crise ou da Derrota
CONTEXTUALIZANDO…
Como superar um Estresse Pós-Traumático de um câncer de pâncreas, agressão física, desastre natural, pandemia mundial, morte familiar, deslocamento de refugiados, perda do emprego?
Um exemplo fácil para ser observado é a dos soldados quando se dirigiam para a guerra. Até os anos 80, os psicólogos advertiam que eles voltariam “normais” ou com um Transtorno por Estresse Pós-Traumático (TEPT), ou seja, só existiam até aquele momento duas possibilidades para os soldados quando voltassem do combate, a normalidade ou o sofrimento psíquico.
Estudos mais recentes e com a ajuda da neurociência e da tecnologia apontam para mais uma via neste caminho.
Depois de duas décadas pesquisando e estudando o comportamento das pessoas, o psicólogo Richard Tedeschi e sua equipe estudaram sobre o Crescimento Pós-Trauma e/ou Estresse Pós-Traumático. Pesquisadores como Martin Seligman, Tal Ben-Shahar e tantos outros vêm modificando este entendimento sobre como lidamos com as adversidades, traumas, perdas, doenças, morte etc.
Ben-Shahar escreve “só podemos aprender a lidar com o fracasso se de fato o vivenciarmos e sobrevivermos a ele. Quanto antes enfrentarmos dificuldades e contratempos, mas estaremos preparados para lidar com os obstáculos inevitáveis ao longo do nosso caminho”.
A questão central desta afirmação é que para sair da circularidade viciosa de pensamentos e comportamentos destrutivos e improdutivos, como o de impotência, paralisia, negatividade e depressão, é o entendimento de que o cerne da situação não está na adversidade, no problema ou na crise, mas o que fazemos com ela é que determina o nosso destino e os nossos resultados.
Algumas pessoas desistirão, desalentadas, enquanto outras reunirão as forças, capitalizarão seus pontos fortes utilizarão de estratégias e ferramentas e seguirão em frente.
Outro ponto importante para destacar é que os contratempos na jornada da vida vêm acompanhados de alguma oportunidade de crescimento e que podemos nos treinar a perceber e aproveitar. Ao estudarmos as pessoas bem sucedidas na história como os Beatles: rejeitados pelo executivo de uma gravadora, Michael Jordan: excluído de sua equipe de basquete no colégio ou, Walt Disney: demitido por um editor de jornal por não ser criativo, percebemos que apesar do trauma ou da adversidade, eles foram capazes de se reinventar e encontrar uma oportunidade a partir da dificuldade.
MINHAS VIVÊNCIAS…
Para entender melhor esta diferença de comportamento entre seguir e desistir, vamos avançar em mais alguns estudos. Antes, porém gostaria de contar uma breve história que aconteceu comigo no início dos anos 2000 durante o ciclo Olímpico da Grécia, quando eu atuava como coaching esportivo, na preparação dos atletas olímpicos de canoagem. Naquele dia eu estava com a equipe de slalom na pista e resolvi gravar os atletas simulando uma competição. Em duplas ou barcos individuais, eles foram descendo um a um e eu estava lá gravando tudo. À noite após o jantar nos reunimos na sala de treinamento do Hotel para conversarmos sobre o treino e os resultados do dia. Uma das tarefas da reunião seria assistir o vídeo para ampliar a percepção e o entendimento da performance individual e do time. Todos receberam papel e caneta para anotarem somente os pontos positivos observados durante a descida na pista.
Quando iniciei a projeção percebi, após alguns minutos, que ninguém escrevia nada. Parei a projeção acendi a luz e repassei as instruções orientando eles para elaborar uma lista com todos os acertos e pontos positivos da técnica, em relação ao tempo, emocional, desempenho entre outros aspectos. Apaguei as luzes e voltei a projetar o vídeo do início. Para a minha surpresa ao final quando fomos verificar quais pontos positivos tinham surgido, poucos atletas tinham conseguido escrever e, destes que escreveram, a maioria tinha na sua lista apenas pontos fracos, erros e comentários negativos. Lembro-me bem de como me senti perdido naquele momento sem entender o que tinha acontecido. Será que as instruções do que eles deveriam fazer não estava correta, eu não fui claro suficiente ao explicar a tarefa ou eles não conseguiram perceber os pontos fortes?
Este episódio despertou em mim um interesse maior em estudar a psicologia comportamental e o que dizia a psicologia do esporte para compreender o porquê daquele resultado. Quais modelos e padrões mentais e de comportamento estavam atuando naquele momento, ou seja, os atletas ficaram congelados em um processo de avaliação de desempenho que privilegia e evidencia mais os erros do que os acertos, os pontos fracos em relação aos fortes e a insuficiência do que a boa performance, como se eles não existissem ou não fossem relevantes.
Só para ilustrar um dos temas que fui pesquisar foi sobre percepção e seus processos. Estudos demonstram que as pessoas dão significados e/ou interpretações diferentes a mesma situação e acabam enxergando coisas, fatos e pessoas de forma diferentes. Que depende da motivação, do foco e/ou do que elas esperam ver e como estes fatores interferem no resultado.
Os psicólogos chamam de “cegueira não intencional”, a nossa incapacidade frequente de ver o que muitas vezes está debaixo do nosso nariz. Esse aspecto da biologia humana associado a um estilo de vida multitarefa e a um ritmo acelerado que imprimimos no nosso dia a dia, acabam comprometendo a nossa percepção fazendo com que deixemos de ver um número incrivelmente grande de coisas que poderiam ser consideradas “óbvias” se estivéssemos mais focados e atentos. Em resumo, nós tendemos a não perceber o que não estamos procurando. Essa percepção seletiva explica por que quando estamos atentos e de fato procurando alguma coisa, a veremos por toda parte. (É como aquela brincadeira de criança que sai procurando um Fusca pela cidade. Quem encontrar primeiro dá um toque no outro e se for azul são dois toques. A primeira vez que brinquei com a minha filha, fiquei surpreso de ver que apesar deste modelo da Volkswagem ter saído de linha faz muito tempo, como ainda tem fusquinha rodando na cidade).
Voltando aos nossos pesquisadores e cientistas do comportamento… para entender os processos de modelação, crenças e comportamentos que levam as pessoas crescerem ou não nas adversidades, nos anos 60 Martin Seligman ainda um modesto estudante de pós-graduação de psicologia se deparou com um experimento que talvez tenha sido o início para ele da psicologia positiva.
O QUÊ O EXPERIMENTO COM CACHORROS NOS MOSTROU SOBRE OS SERES HUMANOS…
Em seus relatos ele descreve que certo dia ao entrar no laboratório se depara com seus colegas mais velhos se queixando de um experimento com cachorros. Em resumo, o experimento era associar sons a pequenos choques para ver como os cachorros reagiam. Passada esta primeira fase, os pesquisadores colocavam cada cão em uma grande caixa com dois compartimentos separados por uma divisória baixa. Em um lado eles levavam choques, mas do outro lado eles estariam a salvo dos choques. Um detalhe importante nesta história é que era fácil saltar à divisória e ficar livre do choque. Os pesquisadores previam que, assim que os cães ouvissem o som, eles pulariam imediatamente para o outro lado seguro da caixa para evitar o choque. Os pesquisadores acreditavam que eles “sabiam” que se seguiria após o som viria o choque, mas não foi o que aconteceu. Os pesquisadores ficaram indignados e reclamavam de tal comportamento, “são os cachorros, eles não reagem e não fazem nada. Tem algo de errado com eles”. Antes do experimento eles se mostravam capazes de saltar facilmente à divisória, mas durante o experimento eles se limitavam a ficar deitados. Depois de décadas estudando o comportamento humano, Seligman e seus colegas descobriram que os mesmos padrões de desamparo que ele viu naqueles cachorros são incrivelmente comuns nos seres humanos. Como cita Shawn Achor em seu livro “quando fracassamos, ou quando a vida nos dá um choque, podemos ficar tão desamparados que reagimos desistindo”.
O EXEMPLO DE DAILZA DAMAS
Lembrei-me da amiga e atleta Dailza Damas quando ela conseguiu cruzar o Canal da Mancha.
Naquele ano ela bateu o recorde de duração levando mais de 19 horas para cruzar devido aos
fortes ventos e a correnteza. Vários nadadores largaram ao mesmo tempo para fazer a travessia, mas na medida em que a força do vento ia aumentando os organizadores, ao perceberem o desempenho dos nadadores foram retirando eles da água. A Dailza foi a única que permaneceu e conseguiu concluir a prova mesmo enfrentando ondas altíssimas e fortes ventos. Em outro momento ela ficou aproximadamente 1 hora nadando para vencer 100 metros por causa da correnteza. Quero destacar dois pontos importantes neste episódio resultado das nossas conversas. A importância da preparação geral física, técnica, mental e emocional. Ela disse “teve momentos em que eu pensei vou continuar ou páro agora? Tem horas que dá medo, mas eu pensava, se eu parar agora, vou continuar com medo e eu me preparei muito para este desafio. Vou continuar porque tem uma equipe excelente no barco acompanhando e me cuidando. Fui trabalhando minha cabeça o tempo todo e lidando com o medo até chegar em terra firme”. O que faz uma pessoa comum, do lar, mãe de um garoto, que aprendeu a nadar aos 27 anos e aos 32 resolveu Cruzar a nado o Canal da Mancha?
Ter passado por muitas dificuldades e encontrado novas formas de fazer a mesma coisa só que de outro jeito, pode aumentar o repertório e o espectro de possibilidades em relação às situações desafiadoras e difíceis da vida. Seu olhar otimista para os desafios evitando a vitimização e o “coitadismo”, fazendo perguntas poderosas para evitar cair nas armadilhas da paralisação e focar nas soluções e nos recursos disponíveis naquele momento, foram importantes juntamente com o apoio do time e a sua uma ótima preparação.
A INTELIGÊNCIA POSITIVA
Shirzad Chamine no livro Inteligência Positiva comenta “sua mente é sua melhor amiga, mas também é sua pior inimiga”. Precisamos prestar atenção nos nossos diálogos internos e perceber quais são os padrões e crenças predominantes. Nossos diálogos internos podem ser a pista para identificar como os nossos sabotadores desenvolvidos desde a infância, para conseguir sobreviver às ameaças da vida, tanto físicas quanto emocionais, podem nos acompanhar na fase adulta influenciando nossas tomadas de decisões. Aqui está a importância do autoconhecimento para entender quais são nossas forças impulsionadoras e as sabotadores, observar nossos padrões de pensamentos e comportamentos para conseguir neutralizar a negatividade e poder crescer, descobrir e criar novas possibilidades. Um dos grandes problemas em tempos de crise são as pessoas entrarem no seu estado primitivo de segurança, como os homens da caverna.
Sobrevivência, perpetuação da espécie e segurança estão atuando em nós até hoje, só que não estamos mais nas cavernas. Quando entramos em estado de alerta seja por um perigo real ou imaginário, uma cascata de eventos neuroquímicos, como liberação de hormônios do estresse (cortisol) entram em ação. Poucas pessoas percebem que, quando entram no modo lutar ou fugir, a mente e o corpo se concentram em poucas coisas. A mente começa a procurar seletivamente os sinais negativos de perigo enquanto ignora os sinais positivos de oportunidade.
Neste momento os sabotadores entram em ação reforçando comportamentos e pensamentos negativos, bloqueando a possibilidade de encontrar novas alternativas e/ou soluções para a situação. Embora muitas oportunidades possam surgir para uma mudança para o modo positivo ou gerar novas aprendizagens, o cérebro com o seu foco limitado é incapaz de registrar e se aproveitar delas.
MEU APRENDIZADO
Tenho utilizado algumas técnicas e ferramentas da psicologia positiva e da comportamental, além dos meus anos como atleta e preparador de equipes para auxiliar meus alunos, atletas e coachees.
Neste sentido quero compartilhar alguns caminhos que venho trabalhando:
Primeiro é importante saber de onde viemos. Não é um processo de terapia, mas revisitar o passado pode nos dar informações sobre como atuamos hoje e de que forma estas crenças, padrões e comportamentos influenciam positiva e/ou negativamente na nossa vida.
Conhecer os nossos pontos fortes e fracos (sabotadores) para saber como atuar também é fundamental neste processo de desenvolvimento e performance.
Exercitar o foco, a concentração e o apaziguamento interno evitando as multitarefas, a agitação e a correria do dia a dia é outra técnica indispensável. Este é um dos males dos dias atuais. As pessoas vivem agitadas no corre corre, sempre com desculpas por não dar conta de todos os compromissos sem completarem as tarefas com qualidade e buscando culpados pelo seu insucesso.
Para finalizar gostaria de falar de uma matriz de desempenho que surgiu depois daquela experiência com a Seleção de Canoagem. São um conjunto de perguntas poderosas que tem como objetivo explorar melhor e profundamente os resultados.
Vejo com muita frequência, seja na vida pessoal, nas organizações ou no mundo do esporte que as pessoas quando conquistam um resultado positivo ou negativo dificilmente fazem uma análise aprofundada gerando aprendizagens positivas e novas possibilidades de desempenho no futuro. Tudo fica na superficialidade, por exemplo, se ganhou é porque Deus quis ou porque fizemos gol. Se eles perdem buscam os culpados, reforçam as crenças negativas (sabotares), o grupo racha e por aí vai levando a uma circularidade viciosa. Perguntas como “O que fizemos de positivo seja na preparação, aquecimento e durante a competição individual e coletivamente, se for o caso, para obter este resultado? O que poderíamos ter feito de positivo, seja para aprimorar o placar ou para reverter o resultado? O que não poderíamos ter feito, e fizemos? O que podemos aprender com os nossos adversários ou como eles neutralizaram as nossas estratégias?” E por aí percorremos e aprofundamos seja na vitória ou nas derrotas. É necessário criar ambientes positivos de aprendizagem para que possamos evoluir e crescer.
FICA A DICA!
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Texto/roteiro baseado nas referências bibliográficas, para uma apresentação on-line pelo Prof.
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Referências:
ACHOR, Shawn O jeito Harvard de ser feliz. São Paulo: Editora Benvirá, 2012.
CHAMINE, Shirzad Inteligência Positiva. Rio de Janeiro: Editora Fontanar, 2020.
DWECK, Carol S. Mindset – a nova psicologia do sucesso. São Paulo: Editora Objetiva, 2017.
SELIGMAN, Martin E.P. Florescer – uma nova compreensão sobre a natureza da felicidade e do bem estar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011