No dia 13 de dezembro de 1968, uma sexta-feira, acordei bem cedo, não sei porque, e uma ideia surgiu em minha cabeça: eu iria parar de fumar.
A data ficou bem marcada em minha memória porque o dia 13 de dezembro de 1968 foi também o dia da publicação do Ato Institucional número cinco, o mais famoso e mais impiedoso ato do governo ditatorial daquela época. O Ato Institucional 5 levou ao fechamento do Congresso, à cassação de mais de 170 mandatos parlamentares, instituiu a censura prévia à imprensa e às produções artísticas, permitiu ao governo federal interferir em estados e municípios sem maiores explicações, e a demitir, aposentar e prender oposicionistas.
Por casa da coincidência, nunca esquecerei que aquele foi o dia em que também resolvi deixar de fumar. O Ato Institucional 5 felizmente ficou no passado, mas minha determinação de nunca mais fumar persiste até hoje.
Lembrei-me da confluência desses dois fatores outro dia lendo uma coluna de Drauzio Varela, médico e maratonista, sobre a regulamentação dos cigarros eletrônicos.
Ele lamenta a iniciativa de uma senadora brasileira que merece permanecer no anonimato, pois trata-se de uma proposta maléfica que, sob o disfarce de “permitir arrecadação de impostos”, na verdade quer ajudar a indústria tabagista a aumentar em muito a venda de seu pernicioso produto no Brasil.
O artigo de Drauzio Varella é um alerta importante quanto aos muitos subterfúgios e disfarces empregados pelas grandes empresas internacionais do tabaco a aumentar o número de viciados na droga.
Ele faz uma lista dos muitos truques usados para atrair os jovens (como foi o meu caso e o dele, Varella) e torná-los dependentes. Algumas pessoas, com muita força de vontade, como ocorreu comigo, conseguem escapar, em algum ponto de sua vida. Outros infelizmente continuam escravos.
Mas há um método insidioso usado pela indústria do fumo para capturar os incautos que não foi mencionado por Drauzio Varella e que eu acho importante citar aqui: o cinema.
Como moro nos Estados Unidos, posso testemunhar que, graças ao esforço do governo ao longo dos anos (políticos dos dois lados, mas especialmente do lado do Partido Democrata), o número de americanos que hoje fumam – e estou falando do cigarro tradicional, não do eletrônico – é hoje muito pequeno, ínfimo mesmo.
Mas esta não é a impressão que as pessoas no resto do mundo têm ao assistir a um filme americano: neles, a toda hora, a propósito de alguma coisa ou até a propósito de nada, homens e mulheres sacam um cigarro e começam a fumar.
É uma campanha subliminar, alimentada pela indústria do fumo, que continua a divulgar a velha e falsa mensagem de que fumar é chique, fumar é sofisticado, fumar nos ajuda a relaxar, a pensar.
Não acreditem nisto, caros leitores. Nos Estados Unidos as pessoas fumam cada vez menos (quanto aos cigarros eletrônicos, é outro assunto de que poderei me ocupar outro dia), mas os filmes americanos, exibidos no mundo inteiro, ainda contribuem para que, em países em que os governos são menos vigilantes, os cigarros continuem a escravizar incautos.
José Inácio Werneck é a autor do texto e está no CLUBE DO MOVIMENTO como JOSÉ INÁCIO WERNECK