Tudo pronto, dentro do planejado. As condições meteorológicas estavam estáveis há mais de 4 dias, um vento leste/nordeste soprando a favor de forma leve, sem chuvas, e a temperatura da água variando entre 19 e 21°.
Dois dias antes fui agachar para pegar um travesseiro e uma forte dor na lombar me fez conter meu agito ansioso e sossegar, entrando com anti-inflamatório. Algumas pessoas me disseram: veja como um sinal, pode ser que não é para vc fazer este desafio. Eu assumi como um grande alerta para que eu ficasse mais tranquila e descansasse muitoooo no pré-prova.
Chegou o dia, fomos embracar na Urca. Os fotógrafos já estavam lá, uns queridos, um presente ter eles registrando tudo.
“Você vai nadar de neoprene ou sem?”
“Qual a temperatura da água?”
“Está 19°C.”
Vou de neoprene. 19° é fria e não é uma temperatura que estou acostumada.

O barco chacoalhava muito, uma ondulação chata que me fez ficar enjoada. De repente, numa ondulação mais forte, todo equipamento dos fotógrafos foi para o chão do barco e a tampa do isopor onde estava toda a minha suplementação semicongelada, que eu havia preparado no dia anterior para aguentar o ‘Rio 40°’, voou longe! Os fotógrafos se entreolharam sérios. Eu tentei manter o foco e concentração da prova. Não via a hora de pular na água e sair daquele lugar.
Sem muita novidade, sem um clima bom… dei meu mergulho do barco com um: BORA!!

O choque foi grande, a água estava absurdamente gelada. A frequência cardíaca subiu às alturas, dei algumas pernadas de peito para tentar organizar a respiração e, quase sem ar, encaixei o nado e fui! Ainda estava bem escuro e como estava sem o bastão de neon os fotógrafos me ajudaram, com a iluminação, a controlar o stress daquele momento.
Copacabana é comprida nos seus 4km de Forte a Forte. Ainda mais com a maré contra, enchendo a Baia da Guanabara (eu sabia que iria pegar a maré contra até próximo às 6h da manhã). Mas o dia iria amanhecer logo. Caí na água 4h10 e às 5h05 era a previsão para o sol nascer e minha esperança da água e meu corpo irem esquentando com o sol.

Fechei a primeira hora de nado, e na hidratação resolvi perguntar quanto estavam os 19°C, kkkk. A resposta foi:
“Está 17°” (porém essa foi a medida obtida na superfície, conforme o radar do barco estava 15°).
Não acreditando, fui olhar no meu velho e fiel companheiro, o Garmin.
“Está 14.7°C!!!!”
Bora, bora… lá fui eu cheia de esperança de que aquela realidade fosse mudar.
As próximas horas foram de uma mistura de conquista, de vontade de chegar onde já havia chegado quando nadei do Leme à Barra, e mais ainda, uma vontade de fugir para os 32,4°C que cheguei a pegar nas águas do Rio Negro no Amazonas.

São Conrado chegou e uma corrente “quente” (19ºC) entrou. Minha esperança foi renovada com os 19° mais maravilhosos em que já nadei.
Alegria durou pouco. Vinte minutos depois entrei no Barra Mar, ou seja, a saída da água da Lagoa da Barra. A temperatura da água despencou novamente. Fiquei tentando me consolar lembrando das entradas de rios no mar, que sempre são águas mais geladas, mas que logo se misturam com a água salgada e esquentam.
Sempre tive muito respeito pelos 20km da Barra. Para mim era o trecho temido. Ser desafiada pelo tédio, uma reta, uma praia sem fim. Longe avistei a Reserva, meu micro objetivo naquele momento era chegar até lá, seria praticamente a metade. Depois disso era começar a enxergar a Pedra do Pontal e encarar os 10km finais, quando os ventos apertam e o cansaço bate.

As árvores da Reserva iam aparecendo na linha da praia, mas de repente sumiu o horizonte! Uma grande névoa cobriu o barco, me cobriu, cobriu a praia, cobriu tudo. Parei novamente o nado (depois de várias paradas fora do horário da hidratação), estava doído demais!! Meu quadril não girava, minhas pernas despencaram e os braços não davam mais conta. Eu parava para gemer enquanto o barco ficava para frente e eu ficava para trás.

Não sentia mais nenhum prazer de estar lá. Foram diversas frases de incentivo que recebi – o Kirilos estava inconformado com a evolução do meu nado, não tinha perdido qualidade nem frequência de braçadas. Mas não fazia mais sentido para mim.
Eu precisava recuperar minha temperatura e frequência cardíaca, e minha consciência estava indo pelo vão dos dedos das mãos roxas.
A dúvida bateu…
– Por que fui nadar nesse dia? Meu primeiro dia da janela. Por que me ofereceram esse dia? Por que aceitei?
– Por que não foi prevista esta temperatura da água?
– Por que ninguém envolvido na prova soube desse fenômeno oceanográfico? No dia anterior tinha treinado com 19° em Copacabana.
Porque ?

Vi o barqueiro pegando a escada, fui nadando até o barco, vi minhas mãos pensando se iriam ou não me puxar para cima… naquele momento eu não tinha certeza de nada, como a neblina geralmente faz a gente decidir parar (num carro, na estrada) eu parei, parei inebriada.

O abraço quentinho do Tuco sem nenhuma palavra, o Kirilos com todas as Palavras mais confortantes e o parabéns de todos no barco me deram essa certeza de que tinha feito a coisa certa.
Os 40 min seguintes fiquei batendo queixo, só falando: estava muito frio!
Não derrubei nenhuma lágrima, eu sabia o que eu tinha que fazer eu fiz.
No barquinho até a areia lembrei da piada da minha família… dia em que o meu irmão caçula, Ricardo, não falou o verso no palco, na frente de todo mundo. Dei risadas sozinha, ninguém entendeu nada. Mas eu lembrei do rosto do meu irmão sorrindo, e assim estava eu!

Na areia estavam Paula, Grace, Caio e Ana com os braços abertos para me receber… e mais uma multidão de banhistas que me aplaudiram conforme eu ia andando, me dando parabéns… até o Salva Vidas veio me dar um abraço.

Foi muito especial, me senti acolhida e amada como um cão que acha seu dono.
Meu Dono estava TODO o tempo comigo, e mais uma dezena, talvez centena, de amigos estavam comigo também.

Eu sempre terei a certeza de que as 7 horas de nado nos 15°C foram um milagre.
Já diziam os Titãs:
“Nenhuma ideia vale uma vida”.
Este texto é uma republicação autorizada pela autora SANDRA KOCH – @sandrareginakoch