Termo estranho para muitos, aos praticantes da modalidade de salto em altura é muito comum. Significa que estes atletas, ao conseguirem superar com segurança uma determinada marca, sem derrubar aquele sarrafo móvel sustentado por duas estruturas paralelas verticais, sem tocá-lo, mesmo que levemente, demonstram estarem aptos a “voos” mais altos. Ao estarem seguros, após muito tempo de treinamento, de que poderão superar determinado nível, determinam aos fiscais da prova ou a seu treinador: “Pode subir o sarrafo!”
Aplicando o termo, por analogia, à vida de cada um, corresponde a ultrapassar uma etapa, vencer mais um nível. Quando nos dedicamos a melhorar em algum sentido, aprender algo novo, aprimorarmo-nos pessoalmente, desenvolver alguma habilidade especifica ou, simplesmente, nos esforçarmos para viver melhor, é necessário estabelecer metas claras, sejam quantitativas ou qualitativas.
Mas, seria o caso de indagar se haverá reconhecimento em superar obstáculos, evoluir, vencer barreiras pessoais. Afinal, não vivemos para competir, para ganhar provas, para nos emularmos constantemente com os outros. De fato, isto não é o mais relevante, a não ser que, voluntariamente, participemos de competições esportivas. Nem mesmo nesta hipótese a maioria dos competidores busca tão somente a vitória. O mais importante é perseguir a melhoria de seus índices. Trata-se, então, de uma superação interna, que traz a recompensa secreta e íntima de uma evolução real. É a gratificação por um sucesso interior, como já afirmou o campeão de automobilismo Alain Prost, “a vitória é um lugar solitário”. Mesmo que venha a suceder o reconhecimento, a satisfação de um eventual pódio jamais poderá ser tão importante do que a colheita do resultado de seus esforços.
O sentimento pessoal de perceber que se subiu um degrau, de que se alterou a própria visão de vida para um patamar mais privilegiado, justifica qualquer esforço. Este passo permite descortinar a realidade a partir de um ponto mais elevado. Compreender melhor a tudo e a todos, atingir um aperfeiçoamento, por menor que seja, é algo que se percebe apenas ao chegar.
Um grande teste para sentir a segurança de pedir para “subir o sarrafo” é olhar para o passado, rever tudo o que já se fez, em forma, conteúdo e esforço, e comparar com o presente. Sem jamais resvalar para a vaidade, é muito bom perceber que aquilo que se faz atualmente possui mais qualidade, mais facilidade, mais refinamento, que é possível firmar os pés numa dimensão mais elevada do que antes. Mas, se ocorrer, a exemplo de qualquer atleta, de sofrer uma queda de altura ou de rendimento, mesmo que involuntariamente? Jamais poderá ser considerada uma derrota, visto que já se conheceu o caminho e a maneira para retornar ao ponto anteriormente alcançado. Talvez tenha acontecido apenas uma distração ou uma falha de estratégia, até mesmo uma breve parada para recuperar o fôlego. Cabe fazer uma analogia com o caso concreto de Ayrton Senna, numa prova de Formula 1 no Principado de Mônaco. Prestes a chegar a uma folgada vitória, que lhe daria o recorde absoluto de vitórias naquele circuito, ocupando folgadamente a primeira posição, a ponto de poder colocar uma volta de vantagem sobre o segundo colocado, teve um momento de desconcentração, perdeu por instantes o controle do carro e se chocou levemente com uma barreira da pista, o que bastou para lhe tirar uma vitória certa. Isto não o levou a desistir do esporte, ao contrário, em provas seguintes, voltou a vencer e retomou sua condição de ser um dos melhores de todos os tempos, talvez até o melhor.
Na vida estabelecemos uma trajetória, podemos ser muito bem sucedidos, escalarmos patamares elevados, adquirirmos uma visão mais sábia e privilegiada, à custa de nossos próprios conhecimentos e esforços. Que esteja claro que, em tudo que se possa evoluir, que a regra seja de transparência, dedicação e perseverança. Tudo que se alcança, como se diz, “de mão beijada”, ou seja, sem nenhum mérito pessoal, que seja prontamente descartado. “Furar a fila” na vida sempre trará consigo o rótulo do ilícito e, em consequência, o descrédito e a ausência de reconhecimento.
E, talvez, mesmo quando alguém atinja um índice bem qualificado no que se propôs a fazer, poderá se questionar se seria mesmo aquele o rumo que corresponderia a seus mais profundos propósitos. Necessariamente, é possível reiniciar a busca em direção da mais intensa realização pessoal. Já se possui suficiente experiência em relação AO QUE deve ser feito, ou seja, idealismo, dedicação, conquistas anteriores expressivas, disciplina, vontade, só basta ficar bem claro O QUE, desta feita, falará mais alto a seu coração.
Já que recorri ao automobilismo, mais um exemplo. Muitos campeões, em diversas categorias, após atingirem o auge de suas carreiras, abandonam sua modalidade e passam a se dedicar a outras opções de esportes a motor. Talvez não venham a atingir novamente o ápice em relação a sua categoria anterior. Seu equipamento poderá não ser o melhor ou, até mesmo, a passagem do tempo irá reduzir sua competitividade perante especialistas na nova categoria escolhida, geralmente mais jovens. Porém, serão sempre respeitados, até mesmo como ícones do automobilismo. Eventualmente não receberão mais bandeiradas de primeiro lugar, porém terão a certeza de estarem dando seu melhor, para serem vitoriosos perante si mesmos. E já asseguraram o privilégio de presenciar tudo o que outros estão vivenciando no momento a partir de um lugar mais alto, que já conheceram muito bem. Já tinham antes pedido para “subir o sarrafo”.
Sobre o autor: Álvaro Nunes, 70 anos, advogado e administrador, com especialização em Turismo, Universidade Federal de Santa Maria e Universidade de Madri. Foi Gestor do Fundo Geral de Turismo da Embratur no Paraná por 10 anos, consultor e atualmente escreve para seu blog “CRÔNICAS PARA NINGUÉM”.