As pessoas que nasceram depois do ano 2000 não fazem ideia de como a vida era fácil nos chamados “tempos de antanho”. Sim, elas pensam que a moderna tecnologia veio para facilitar a vida. Pensam assim porque não sabem como estão mal servidas e como a tecnologia moderna veio para complicar, não para facilitar.
Ainda hoje tive uma ideia simples: trocar meu serviço de televisão no Rio de Janeiro de internet para cabo.
Aparentemente, tudo o que eu precisava fazer era ligar para a empresa que me fornece serviços de televisão e dizer: “olhem, quero deixar a internet e passar para o cabo”.
Simples, não? Ah, mas a moderna tecnologia entrou em ação.
Lembro-me de um antigo comercial, lá pelos anos 50 ou 60: “Alô, alô, quem fala? É do armazém do seu José? A mamãe mandou pedir para mandar uma lata de biscoitos….” – e aí entrava a marca dos biscoitos.
Em suma, do outro lado da linha havia um ser humano. Podia ser o “seu” José ou o Mr. Abercrombie, mas era uma pessoa.
Agora é uma máquina. Não sei bem que máquina, mas tenho certeza de uma coisa: de sua crueldade. É uma máquina cruel, desumana, indiferente ao seu sofrimento, à urgência de seu pedido.
Você precisa se identificar de mil maneiras, com senhas, cpfs, “emails”, tudo para que seja enviado um código de verificação. Às vezes o “email” para onde mandam um código de verificação está por sua vez passando, ele mesmo, pelo que chamam um “update”, uma atualização. O seu “email” está, ele também, fora de combate, ainda que momentâneo.
Você vai ao celular, esta engenhoca de fazer doidos. Entra num “app” disto, num “app” daquilo, fica rodando por ali e, aos poucos, você compreende toda a dura realidade: você não conseguirá, nunca, entrar em contato com um ser humano.
Há no planeta Terra, de acordo com a última vez em que verifiquei, sete bilhões e oitocentos e oitenta e oito milhões de pessoas. E, entretanto, o milagre da tecnologia moderna consiste em que você, quando precisa de alguma coisa, não consegue entrar em contato com nenhuma delas.
É sempre uma máquina, com o perverso prazer de ignorá-lo. Ah, como era bom a gente poder falar com o “seu” José ou o Mr. Abercrombie.
José Inácio Werneck é a autor do texto e está no CLUBE DO MOVIMENTO como JOSÉ INÁCIO WERNECK